quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Algo de Marcos Veronese (creio)

Resumirei para Ti a minha história
Venho aos trambolhões pelos séculos
Encarno todos os fora-da-lei e todos os desajustados
Não existe um gângster juvenil preso por roubo e nenhum louco sexual que eu não acompanhe para ser julgado e condenado
Desconheço exame de consciência, nunca tive remorsos, sou como um lobo dissonante nas lonjuras de Deus.
Os que me amam dançam nas sepulturas.
Álvaro de Campos
O ambiente público é tomado como um comum de práticas que abrangem, inclusive, a história. Não a história oficial dos livros escolares, mas a de onde se vem “aos trambolhões”. Não lemos na poesia de Piva a sociedade como um espaço comum e anônimo, mas com os designativos acompanhando o pronome “nós”, uma comunidade formada pelo sujeito do enunciado e por seus amigos: os “tenebrosos”. Subjetividades nômades que formam esse comum de práticas não como um “bem público”, aberto e acessível a todos e a qualquer um, mas como uma série de traços exteriores e pontuais do grupo social que são os amigos e que no poema em questão vêm em Fernando Pessoa-Álvaro de Campos um aliado na batalha que travam, um aliado mais velho que aponta caminhos e com o qual querem compartilhar suas práticas “fora-da-lei”.
Por práticas “fora-da-lei”, tratemos de pensar em práticas de representação que transgridem qualquer idéia de natureza e de naturalidade, qualquer ímpeto em naturalizar uma cultura ou um discurso, de se viver à margem dos códigos e das convenções do corpo oficial, que acaba sempre por produzir um espírito de corpo, um corporativismo qualquer. O único corpo que aí interessa é o formado pelas alianças (“amigos”) pontuais, temporárias e precárias, que – diferentemente das famílias – são sempre movimentos contra-natura. O nômade é contra-natura, e por isso Piva afirma que os pontos cardeais dos “nossos” elementos são: “contra a vagina pelo ânus, contra os espectros pelos fantasmas, contra as escadas pelas ferrovias, contra Eliot pelo Marquês de Sade” . Daí que o nô made é visto como um traidor. Ele peca contra todas as ordens instituídas, se rebela contra todos os poderes estabelecidos, investe contra todas as naturalizações, recusa todas as normalidades discursivas. Os nômades são as aspas da escrita contemporânea. Ele se desloca com velocidades surpreendentes, assim como surpresos ficam diante da suas táticas de subjetivações bruscas, que forçam todos a se localizarem, a assumirem seus fascismos mais ocultos e dissimulados. O nômade escancara à força o espaço público com aquilo que possui de mais público, exterioriza seu próprio exterior, explicita e assume a sua aparência como a única possível de ser suportada subjetivamente e a única ética para ser elaborada.

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